Lembro quando assisti pela primeira vez o filme Uma Linda Mulher, achei lindo, fiquei encantada e acreditei que aquela vida fosse no mínimo leve.
Minha ingenuidade foi nível hard, fantasiei por um momento que todos os homens que contratavam uma prostituta teriam no mínimo o charme e elegância de Edward. Ledo engano!
Se eu tivesse entrado na prostituição com o único objetivo de encontrar um Richard Gere da vida, talvez eu estivesse procurando até agora…
Não posso negar que existe glamourização em obras que retratam a prostituição em si ou personagens prostitutas, que mostram apenas o lado bom, fortalecendo ainda mais a imagem da tal vida fácil.
Esta foi uma das preocupações da pré-produção do filme Bruna Surfistinha, pois não queríamos fazer apologia, muito menos mostrar apenas os bons momentos e maquiar o lado obscuro, sombrio.
Um dos pontos foi em relação aos atores que fariam os clientes nas cenas. A opção fácil era colocar apenas galãs globais, o que seria ótimo inclusive para o marketing. Porém, nem mesmo eu reconheceria minha própria história, afinal não tive apenas clientes bonitões e interessantes, longe disso. Zero galã, zero glamour!
Outro ponto que acredito que tenha sido importante exibir no filme foi minha passagem pelo “vintão”, um detalhe que eu poderia muito bem ter omitido e abafado com todas minhas forças se quisesse, pois acredito que ninguém ficaria sabendo que Bruna Surfistinha, mesmo que poucos dias, cobrou apenas vinte reais por programa.
A vida de uma prostituta, muitas das vezes, tem mais baixos do que altos e é importante mostrar a realidade, nem sempre tão nua, mas crua.
Tanto o filme como a série que foram baseados e inspirados em mim retratam muito bem o que vivi negativamente: ter caído em todas as armadilhas, especialmente em relação às drogas, aos meus dramas familiares, as vezes que fui ao fundo do poço, as inseguranças que se tornaram meus monstros internos em vários momentos. E no final das contas, isso tudo o que vivi é justamente a realidade da maioria das garotas de programa.
Com alguma sorte, a vida pode sim imitar a arte, mas precisamos considerar que muitos momentos divertidos podem ser apenas uma válvula de escape, como foi meu caso em minhas madrugadas loucas e divertidas no Love Story (boate em SP).
Em minha entrevista para o Conexão Repórter, do SBT, é possível saber um pouco mais sobre o que passei na profissão. Deixo o vídeo a seguir.
Eu não consigo enxergar glamourização nas obras baseadas em mim, mas há quem enxergue, como já me foi dito várias vezes.
Cada cabeça, uma sentença, e eu não tô aqui pra mudar a opinião de ninguém sobre mim, mas sim tentar mudar a visão em relação à prostituição, algo que acredito estar conseguindo de certa maneira, aos poucos.
Espero que alguma produtora enxergue e dê oportunidade para uma garota de programa que viveu ou ainda vive uma realidade bem diferente da qual foi a minha, para retratar a história em uma obra audiovisual.
O submundo na prostituição é mais comum que o considerado de “luxo” e eu gostaria muito de conhecer e aprender com a vida de uma garota de programa que não teve opção de escolha, que vive na prostituição apenas por questão de sobrevivência. Elas merecem ser notadas e respeitadas.
Eu sei que existe amor no lado mais obscuro da prostituição.
Aproveitando, deixo a minha entrevista no programa O País do Cinema, onde falo um pouco mais sobre as questões citadas no decorrer do texto.
Um beijo da Bruna Surfistinha.