Como lidar com relacionamentos (família, amigos e amores) sendo garota de programa [por Bruna Surfistinha]

Não tenho dúvidas que relacionamento é o tema mais delicado para garotas de programa, pois envolve qualquer tipo de relação da vida e é necessário ter muita estrutura emocional para enfrentá-las numa humanidade tão preconceituosa. 

Lidar com qualquer tipo de relacionamento estando na prostituição não é fácil, mas espero poder colaborar da melhor maneira que puder, me baseando em minha própria experiência.

Quando resolvi assumir ser profissional do sexo para a sociedade, eu me libertei de uma vida dupla que não conseguiria manter muito tempo, pois viver estas vidas paralelas é algo bem comum na prostituição, tanto da parte dos clientes como das garotas de programa.  

Talvez eu tenha sido um caso muito a parte, mas cheguei num momento que precisei gritar que existo e que o mundo lutasse por isso. Senti esta necessidade e para mim foi uma libertação, mas entendo que nem todas conseguem isso, pois envolve muitas questões, principalmente o relacionamento familiar. 

Como eu me assumi como garota de programa

Eu já não tinha muito o que mais perder, mas entendo perfeitamente quem prefere manter a vida dupla e a prostituição como o maior segredo da vida, jamais julgarei. Embora seja uma atitude de liberdade para si, há um peso muito grande e não é fácil lidar com as consequências que isso causa. Chego a comparar até com o fato de uma pessoa homossexual se assumir para o mundo, afinal, a sociedade machista é a mesma.

Temos que pensar que cada um traça os próprios caminhos e por mais que o patriarcado não aceite a prostituição como um trabalho digno, sabemos que são esses “pais de família’ que mais buscam as prostitutas quando querem seus momentos de prazer sem compromisso.

No meu caso, senti muita vontade de gritar ao mundo, conheci muitas garotas com este mesmo desejo, enquanto outras preferem se esconder de todas as maneiras possíveis. 

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O meu grito de liberdade aconteceu em janeiro de 2004 quando decidi criar o blog, que foi meu divisor de águas, mas antes dele existir, eu já aceitava muito bem a prostituição. Nunca tive vergonha de atender ligações de clientes na frente de pessoas aleatórias que sequer imaginavam quem eu fosse, passava todas as informações necessárias sobre como funcionava fazer programa comigo como quem estivesse passando a receita de um bolo para uma amiga. 

Meu entendimento como profissão sempre foi muito clara até o ano passado, quando participei de um programa chamado ‘Quebrando o tabu’ que me colocou diante de mulheres que não aceitam a prostituição como profissão, não por preconceito, mas por entenderem que há muitas mulheres que fazem programa apenas para não passar fome e manter os boletos necessários pagos em dia, se prostituem por questão de sobrevivência apenas e não para manter luxo.

Durante esta gravação, elas me fizeram ter um entendimento que nunca havia tido. Fazer programa é um trabalho, mas não é profissão. A linha é tênue. E eu que até então lutava para que fosse considerada como profissão, acabei desistindo. 

Quero que o mundo respeite todas as putas, respeite o direito de fazerem o que bem quiserem com o próprio corpo, mas não quero mais que seja considerada como uma profissão como outra qualquer, pois não beneficiaria todas, inclusive entendi que atrapalharia mais do que ajudaria.

Você está com dúvidas se deve se assumir ser garota de programa? 

Então para te ajudar, responda estas questões para si:

  1. Como você se enxerga sendo garota de programa neste mundo machista?
  2. Como lidaria com julgamentos e pessoas querendo sair da tua vida por ter preconceito com teu trabalho?
  3. Está preparada para ouvir críticas com palavras que machucam de pessoas que ama?
  4. Está preparada para apertar o “botão do foda-se” para críticas de fiscais das vidas alheias?
  5. Ao se assumir, você vai ganhar ou perder mais? Está preparada para as perdas?

Sinceramente, eu acho bonito quem consegue se assumir e apertar o botão do foda-se pro mundo no estilo: “sou garota de programa sim e daí?, mas respeito quem não pode fazer isso porque sei que não é tão simples assim. 

A vida é feita de escolhas e se assumir como garota de programa nesta sociedade machista, exige bastante estrutura emocional, eu garanto. Talvez seja aquela questão: “você quer ter paz ou ser feliz?”, no fim das contas, depois de muita terapia, entendi que poderia ter paz e ser feliz, por isso há 16 anos, me tornei a ex-garota de programa mais conhecida do Brasil.

Ter me assumido para a sociedade foi um processo muito intenso, foi meu grito de liberdade e não tive dificuldade em tomar essa decisão. Mas para você saber se este é seu caminho, é preciso fazer uma análise geral, colocar na balança todos os prós e contras. E caso decida se assumir, saiba que terá que se defender em vários momentos, mas jamais abaixe sua cabeça ou permita que te humilhem.  

Eu não me arrependo da minha escolha, mas confesso que em alguns momentos me perguntei se não teria sido melhor ter ficado no anonimato. Já faz 15 anos que parei de fazer programa, mas até hoje me questionam se realmente parei de fato e continuo sendo julgada. Uma outra pergunta que você deve fazer para si antes de tomar tal decisão é: Estou preparada para ser lembrada como prostituta mesmo depois de parar de fazer programa?

O machismo em nossa sociedade é num nível que o preconceito diante a prostituição pode até ir amenizando durante o tempo, mas acredito que nunca deixará de existir. Sempre teremos dedos apontados para nós como se estivéssemos cometendo um grande erro na humanidade. 

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Sinceramente, por mais que eu tente, acredito que nunca entenderei por que prostitutas incomodam tanto. A hipocrisia é forte demais, pois quem mais critica e julga, são justamente as pessoas que mais fazem ou gostariam de fazer parte do mundo da prostituição.

Até hoje e talvez enquanto estiver viva, serei julgada e receberei mensagens com palavras pesadas e xingamentos. Recebo muitas me chamando de puta como se isso me ofendesse. Mesmo eu não me prostituindo mais, podem me chamar de puta, eu aceito e até me orgulho por ter enfrentado tudo com a cabeça erguida e ter chegado aonde estou.

A parte mais difícil de saberem que você é garota de programa

Minha única preocupação é relacionada quando me tornar mãe, pois não quero que filho meu pague preço algum por minhas decisões. Por conta da exposição e de minha história ter se tornado notória, por mais que quisesse, não conseguiria esconder meu passado e não quero que ele fique sabendo por outra pessoa que não seja por mim. Me preocupo com a reação dele, mas sei que encontrarei o momento e as palavras certas para revelar sobre meu passado.  

Neste relacionamento quando me tornar mãe, mesmo se eu fosse anônima, contaria em algum momento quando ele se tornasse adulto. Quando digo que me sinto preocupada é porque serei obrigada a fazer tal revelação enquanto meu filho ainda for criança. Não vou deixar de buscá-lo na escola para me esconder de pais e mães dos coleguinhas dele, nem deixarei de ir às reuniões de pais. Mas se Bruna Surfistinha não tivesse notoriedade, em algum momento eu contaria realmente. Quero construir uma laço maternal intenso, não esconderei nada.

Não precisa assumir para todos, mas assuma para quem importa

Sobre relacionamentos gerais e garota de programa, minha visão é que você não precisa assumir para o mundo, mas isso não quer dizer que você precisa ter vergonha. Muito pelo contrário, sinta orgulho de si. Se fosse fácil como dizem, todas as mulheres se prostituiriam. Sou a favor de você NÃO viver uma vida dupla para as pessoas que realmente ama e fazem parte da tua vida. 

Se o amor é recíproco, elas têm que te aceitar tuas escolhas, em especial por se prostituir. Conte para as pessoas mais importantes da tua vida, com segurança, sem abaixar a cabeça, confiante que elas estarão com você e por mais que não gostem muito da ideia, precisarão te respeitar. Que a vida dupla fique com as pessoas sem tanto vínculo afetivo.

Acho extremamente importante um relacionamento transparente. Amigos e familiares que nos amam, nos aceitam da maneira que somos. Ainda assim, o risco é grande e por isso você tem que se preparar para as perdas. 

Como contar para amigos e família que você é garota de programa

Já ouvi muitas histórias tristes de garotas de programa que revelaram para pessoas que tinham certeza que as compreenderiam, mas que acabaram virando as costas.

A minha estratégia seria ir preparando o terreno antes de contar. Por exemplo, se eu quisesse contar para uma amiga e se eu estivesse insegura sobre a reação dela, primeiramente entraria no tema da prostituição, perguntaria sutilmente da opinião que ela tem diante isso e assim que me sentisse confortável, contaria estar neste caminho. E essa estratégia usaria também para revelar para as pessoas mais importantes da família.

Como lidar com relacionamentos amorosos sendo garota de programa

No meu caso, por conta da notoriedade, nunca precisei contar sobre meu passado. Estou no meu terceiro relacionamento após a prostituição. Fui casada por 10 anos (de 2005 a 2015) com um ex-cliente, então com ele foi fácil, afinal nos conhecemos no meu ambiente de trabalho. 

Depois namorei por 3 anos e meio com uma pessoa que conheci numa festa e ele me abordou para tirar foto já que me reconheceu. Com ele tive um pouco de receio por ser um fã e não sabia se ele estava querendo a Bruna ou a Raquel. Acabei sofrendo um relacionamento abusivo, pois no fim ele nunca me aceitou de fato. 

E agora estou vivendo uma nova relação com um homem que desde o início me passou a segurança de aceitar bem meu passado e não estar querendo viver aventuras sexuais com a Bruna. Ele enxergou meu lado humano e isso é o mais importante para quem em algum momento da vida se prostituiu.

Garotas de programa correm o risco de sofrerem relacionamentos abusivos. Muitas amigas da época da prostituição passaram pela mesma situação ao se relacionar com ex-clientes, ouviram em algum momento algo do tipo: “Eu que te tirei da prostituição!!!”

Não foi o meu caso, pois com meu ex-marido deixei claro que estava parando de me prostituir por mim e não por ele. E inclusive ele me esperou parar de fazer programa, por não querer atrapalhar meu planejamento do pé-de-meia antes de me aposentar.  

Na condição de quem ainda está fazendo programa e se apaixonar por alguém fora do ambiente de trabalho, é uma situação extremamente delicada também. Contar ou não contar? Eis a questão. Quer minha opinião? Conte o quanto antes! 

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Antes que o relacionamento se torne mais sério. Se ele/a não aceitar e não quiser continuar com você, que seja logo no início. Eu trabalhei com mulheres casadas e sentia no dia a dia o desespero delas para manter a vida dupla, para que os maridos não descobrissem onde elas estavam. 

Mas no caso de algumas eu entendia o medo, pois começaram a se prostituir depois de um tempo já casadas e elas amavam o marido e não queriam terminar o relacionamento por conta da prostituição, já que seria apenas uma fase para levantar uma quantia financeira. Mesmo entendendo, eu não conseguiria porque sentiria que estava traindo, assim como também não gostaria de estar com alguém sabendo que está se prostituindo escondido de mim.

Enfim, se estiver iniciando o relacionamento conte assim que possível, se livre desse peso, mas se começou a fazer programa já se relacionando com alguém e se for realmente uma fase passageira, apenas você pode avaliar se vale a pena contar ou não. Eu contaria de qualquer maneira, mas isso não significa que é o certo para todas. Entendo que a questão é muito mais complexa do que meus olhos podem enxergar.

Independente da sua decisão de manter uma vida dupla, revelar apenas para as pessoas mais importantes da sua vida ou assumir ao mundo, eu espero que você faça a melhor escolha para si, assim como eu fiz a melhor para mim.

O que a vida quer da gente é coragem e qualquer destas decisões é preciso ter isso…

Um beijo da Bruna Surfistinha  

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Bruna Surfistinha
Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha começou no mundo da prostituição em 2002, onde ficou até 2005. Se tornou conhecida nacionalmente a partir da criação de um blog contando suas aventuras sexuais durante os programas. O blog a inspirou a escrever o livro "O Doce Veneno do Escorpião" que é até hoje um dos maiores best sellers do Brasil. Publicou ainda mais 2 livros, foi finalista do reality show A Fazenda, tem um filme homônimo baseado em sua vida, protagonizado por Deborah Secco e ainda uma série ficcional da FOX/GloboPlay com 4 temporadas. Nunca teve vergonha de assumir seu passado e tem orgulho de chegar onde está hoje.

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