Neste Setembro Amarelo, Bruna Surfistinha compartilha sua história de superação da depressão e drogas

E no meio desse caos todo que estamos vivendo por conta da pandemia, cá estamos na reta final de setembro. O ano mais parado acabou voando. 

Estamos no mês da primavera e isso me faz lembrar das vezes que falei a alguns clientes que todas as prostitutas deveriam ser consideradas como flores, afinal sempre conseguem florescer mesmo enfrentando uma vida sem receber tantos cuidados dos outros. 

A garota de programa sempre depende da própria vontade de viver e do amor próprio, sem esperar nada dos outros. 

Eu mesma sempre fui uma péssima cuidadora de flores, mas elas sempre vivem por bastante tempo enquanto estão em minhas mãos, assim como lutei para ficar bem comigo mesma enquanto estive na prostituição.

Mês de (re)florescer e desde 2014, é considerado como setembro amarelo, pois no dia 10 é oficialmente conhecido como a data mundial de prevenção ao suicídio. E é sobre isso que quero debater neste texto, pois tenho uma experiência intensa que envolve este tema e sei que há muitas garotas de programa que enfrentam isso também.

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A importância de fazer terapia como profissional do sexo

Confesso que por muito tempo senti resistência para comentar sobre esta fase. Não por vergonha, mas porque me doía relembrar. Eu me destruí e me arrependo por ter caído numa das maiores armadilhas que me deparei na prostituição: drogas e bebidas para fugir da realidade bem diferente daquela de “vida fácil”.

E digo com propriedade que entendo do assunto porque quando comecei a fazer programa, eu estava num dos meus ciclos depressivos. Inclusive quando fugi da casa dos meus pais, tomava dois remédios controlados que abandonei junto com a família. 

Meu quadro depressivo era considerado grave pelo psiquiatra que cuidava de mim na época, tinha tentado me suicidar inclusive em setembro e foi no início de outubro que quis recomeçar minha vida na prostituição.

Em pouco tempo me prostituindo, conhecendo melhor minhas colegas de trabalho no privê, entendi que a depressão é algo muito comum entre as garotas de programa. 

Assim como eu, muitas mulheres recomeçam a vida na prostituição. Muitas desistiram do amor após alguma decepção, desistiram da família após tantas brigas, desistiram do mercado de trabalho após desgostos e até mesmo desistiram da vida carregando tantos conflitos internos. O mundo da prostituição acaba se tornando uma válvula de escape por si só para tantas mulheres.

Conheci muitas que estavam ali dando uma última chance a si para ganhar dinheiro e sobreviver. Eu fui uma dessas.

Quem trabalha em privê, com cafetão, não tem disponibilidade para cuidar da depressão. E quem trabalha por conta própria, sente na pele que tempo é dinheiro e fazer sessões semanais de terapia muitas vezes acaba não sendo uma prioridade por mais que seja uma necessidade notória.

Me arrependo por não ter tido um acompanhamento com terapia enquanto fui prostituta, pois hoje consigo enxergar que teria me poupado de cair nos obstáculos e ciladas mais comuns como no caso de preencher meu vazio nas drogas, algo que é muito comum.

Não posso generalizar que todas as prostitutas são drogadas, pois tive uma experiência oposta bem perto de mim: minha melhor amiga daquela época era a pessoa mais careta que conheci em toda minha vida. Ela não tolerava nem cigarro. Era a Gabi que aparece em várias cenas no filme baseado em minha vida, justamente tentando me ajudar a sair do buraco que me enfiei enquanto queria simplesmente tapá-lo.

Meu primeiro contato com cocaína

Eu caí no mundo das drogas de uma maneira muito rápida e fácil. Foi no primeiro Natal longe dos meus pais, em 2002. Sem família, fui passar esta noite na casa de uma colega que se solidarizou que eu não tinha para onde ir para passar esta data. 

Minha expectativa de ter uma noite natalina normal mesmo com uma família alheia foi desconstruída em pouco tempo. Os pais dela foram dormir bem cedo e ficamos nós duas com alguns amigos dela bebendo na sala. Até aí tudo bem. Do nada, um menino jogou os papelotes de cocaína na mesa e começaram a cheirar na minha frente. Tentei ser forte e careta como a Gabi. 

Agradecia e dizia que continuaria apenas bebendo. Até que comecei a chorar: foi uma mistura de saudade dos meus pais, com o sentimento de “o que estou fazendo aqui e com minha vida?” e medo do que poderia acontecer. Eu nunca havia tido contato com consumidores de cocaína daquela maneira. 

Até que ela, que até então considerava como minha amiga, me questionou: “Quer parar de chorar e parar de pensar na sua família? Cheira um pouco. Eu tô aqui e vou cuidar de você se passar mal”. Pegou no meu ponto fraco daquele momento. Eu queria esquecer da minha família. Ela me ensinou todos os passos de como cheirava e infelizmente fui uma boa aluna. 

Senti o efeito em pouco tempo, parei de chorar, viajei e por fim tive um apagão. No dia seguinte, acordei com ressaca moral, mas com vontade de ter as mesmas sensações. Pedi mais daquele pó. Foi um vício arrebatador e destruidor. Acabou se tornando minha fuga. E quase morri em menos de dois anos com início de overdose. Foi quando decidi parar.

As bad trips e consequências da cocaína em minha vida

Mas antes de colocar um ponto final nesta fase de drogada, tenho várias histórias que hoje considero tristes, pois consigo enxergar toda a situação de uma outra maneira. Tive inúmeras bad trips. Nem sempre a sensação era prazerosa. Muitas vezes acabou apenas potencializando minhas tristezas. Perdi as contas de quantas vezes achei que morreria e chorava com medo. 

Uma noite que me marcou muito foi quando delirei. Estava no flat com um cliente e saí tocando várias campainhas de apartamentos aleatórios, pois precisava avisar os meus vizinhos que o mundo estava acabando. No dia seguinte, quando meu cliente me contou, tive alguns flashes e ri. Hoje não acho engraçado mais… eu me afundei.

Além de ter perdido muito dinheiro na época, até hoje carrego consequências por causa da cocaína. Pra quem não sabe, a cocaína corrói internamente o nariz. Tenho rinite com muita facilidade, além de ter piorado meu TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade) que tenho desde a infância, pois meu quadro se agravou.

Eu tenho consciência que a cocaína misturada com bebidas nesta época era para tapar um buraco que a falta de tratamento psicológico para a depressão me causou. Paguei e ainda pago um preço alto. Nenhuma droga cura, apenas disfarça momentaneamente as dores emocionais. É uma ilusão sem fim, mas que em algum momento precisamos colocar um ponto final.

Os primeiros passos para reflorescer

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Sei de histórias bem pesadas de garota de programa com drogas. Muitas acabam se prostituindo apenas para manter o vício, o que é uma situação muito triste e espero que você que está me lendo agora, nunca passe por esta situação. Mas caso esteja vivendo isso, que consiga sair dessa, como eu consegui.

1. Perceber a autodestruição

O primeiro passo é ter a noção da autodestruição. É quando a ficha cai que estamos nos matando aos poucos, sem perceber.

Se entregar às drogas não deixa de ser um suicídio, pois é se matar lentamente, um pouco por dia, sem perceber, na maioria das vezes até mesmo sem querer.

2. Buscar ajuda

O segundo passo é buscar ajuda. Nem sempre somos heroínas sozinhas, então é preciso aceitar que precisamos de um apoio. Eu nunca me internei em clínica, pois consegui aceitar apoio psiquiátrico. Com remédios para controlar todos os sentimentos que a abstinência me causava, meu organismo respondeu bem. No fim das contas, o investimento que tive com tratamento foi menor do que manter meu vício mensalmente.

3. Siga firme e forte

Fácil não é. O vício é contínuo, pois a gente não acaba definitivamente com ele, e cada dia é uma escolha. Em 2014, depois de anos sem cocaína, tive uma prova grande. Fui ao banheiro de uma balada e me deparei com uma menina cheirando na pia. Ela me ofereceu e eu pensei duas vezes, pois lá no fundo o organismo sente falta do efeito. 

Consegui resistir e recusar. Tive outras provas no meio disso, pois tenho amigos que fumam maconha na minha frente, mas nem a erva eu aceito mais, pois pra mim será um gatilho.

4. Aceitar que é normal ter outros vícios menos prejudiciais

Eu sou dependente de nicotina até hoje. Consegui parar de cheirar cocaína, mas não com o vício com cigarro. Eu bebo bastante também, mas aprendi a beber por prazer e não para fugir da realidade. A linha é tênue, mas consegui encontrar um equilíbrio. Bebida também potencializa nossos sentimentos, então evito beber quando estou triste.

É normal que, diante de um quadro depressivo, buscar uma válvula de escape, e acho que todos os humanos têm um ponto de fuga. Nem sempre são drogas: conheço pessoas que descontam com comida, outras com compras compulsórias, outras com muita fé até. No fim, qualquer tipo de exagero nos faz mal.

Você não está sozinha

A depressão é um mal do século, pois atinge as pessoas independente da situação financeira, profissão, religião, conquistas na vida. Acredito que todo mundo carrega algum tipo de vazio. Não acredito em pessoas completamente felizes, pois a sociedade nos cobra e as mídias sociais nos permitem viver algo que nem sempre é coerente com a realidade, já que é apenas o prazer por uma exposição sem freios, para alimentar o ego.

Assumir ter depressão em qualquer nível que seja não pode ser uma vergonha. Conheço muitos famosos depressivos, inclusive.

Eu gostaria de ter tido alguém me aconselhando na época que abandonei a terapia, talvez não teria caído na armadilha de me entregar às drogas, por exemplo.

Se você tem depressão, aceite buscar ajuda. Há até apoio psicológico gratuito. E não tenha vergonha: depressão é doença, ninguém escolhe ter. Não é mimimi, não é falta de Deus, nem falta de nada. O mais importante é que tem cura com um tratamento certinho.

A vida é cheia de recomeços

O último estágio da depressão acaba sendo o suicídio, campanha forte neste mês para que ninguém chegue neste ponto, pois saiba que você pode florescer quando bem quiser. A vida é cheia de recomeços mesmo e eu espero muito que se você tiver pensamentos suicidas, que consiga ser forte para fazer deste sentimento uma resiliência.

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Tudo bem você estar se prostituindo para recomeçar, ganhar dinheiro até atingir seus objetivos. Não deixe de acreditar em você. Há inclusive ONGs que acolhem garotas de programa, até mesmo de maneira virtual.

E pode contar comigo se precisar conversar com alguém. Espero que antes de desistir, você floresça e que tua vida não tenha tantos espinhos como uma rosa.

Não desista. Fique bem.

Um beijo da Bruna Surfistinha.

AssinaturaBruna 7

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Bruna Surfistinha
Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha começou no mundo da prostituição em 2002, onde ficou até 2005. Se tornou conhecida nacionalmente a partir da criação de um blog contando suas aventuras sexuais durante os programas. O blog a inspirou a escrever o livro "O Doce Veneno do Escorpião" que é até hoje um dos maiores best sellers do Brasil. Publicou ainda mais 2 livros, foi finalista do reality show A Fazenda, tem um filme homônimo baseado em sua vida, protagonizado por Deborah Secco e ainda uma série ficcional da FOX/GloboPlay com 4 temporadas. Nunca teve vergonha de assumir seu passado e tem orgulho de chegar onde está hoje.

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